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Noites de Verão

Noites de Verão

02
Abr18

Das tradições (e das pessoas) que sobram


Paula Custódio Reis

     senhora das neves.png

 

Hoje, um dia após o Domingo de Páscoa, começam as romarias. Aqui perto, os romeiros prestam a sua homenagem e dirigem as suas orações e pedidos à Sra. do Incenso, à Sra. das Neves, à Santa Catarina, à Sra. da Serra.

Terminado o luto da quaresma, o coração, os olhos e os passos, noteiam-se para dar graças às Padroeiras e às guardiãs dos Montes, Ermidas e Templos.

Para mim, isto siginifica dar graças à Natureza, que nos traz a Primavera portadora de melhor tempo e melhor alimento.

Estes cultos são tempos de dar graças, com alegria redobrada e a sensação de liberdade, que o bom tempo proporciona.

Prestei particular atenção estes dias, a uma reportagem sobre as tradições da Quaresma, no Interior, em Portugal.

No Paúl, vila serrana castigada pelo desemprego, um jovem estudante falava do gosto que tem em ajudar a cumprir as tradições locais, e da sua vontade de encontrar trabalho perto, para poder continuar a usufruir das vivências destes sítios.

Numa aldeia do Concelho de Vinhais, uma rosada e bem disposta aldeã, falava da importância de perpetuar tradições: «se a gente não continuar o que os antigos faziam, os novos depois já não há-dem saber o que os antigos sabiam».

Eu, que sou uma curiosa assumida pelos saberes dos antigos, fiquei encantada.

E dei por mim a recordar uma conversa, de há uns cinco anos atrás.

Falava com alguém que, já reformado, se sentia de bem com a vida, por ter voltado à cidade natal e estar a dar o seu contributo social, através da gestão de uma entidade dedicada à solidariedade.

A sua vida tinha-se desdobrado em deslocações e estadas na Capital, porque a profissão assim o obrigava, com a família a manter residência em Castelo Branco.

Tentava mostrar-me que as deslocações eram fáceis, e que este não era um modo de vida a pôr de lado.

Tentei explicar que esse modo de vida, não é o que eu, e muitos da minha geração escolhemos, quando viémos fixar as nossas vidas, no Interior de Portugal.

Nós queremos, efetivamente, que a nossa vida se desenrole aqui. Queremos tempo de qualidade. Queremos ver crescer os filhos. Queremos cumprir as tradições. Queremos criar novos usos. Queremos ter a profissão com que sonhámos, mas queremos tê-la aqui. Queremos uma residência em permanência, e não só em poucas horas de lazer.

Logo, é preciso trabalhar para que esta realidade se concretize. As novas tecnologias, a descentralização e desconcentração do Estado, serão, concerteza, um forte aliado neste processo de concretização. E este tem que ser o azimute da invervenção de quem decide sobre os nossos destinos.

O que sobra do litoral, não nos serve. As especificidades dos novos usos, não chegam. O que nos falta é gente. Gente a tempo inteiro e de pleno direito.

Não queremos continuar a ser os que sobraram. Queremos assumir de pleno direito que somos os que cá estão. E são os que cá estão que têm que ter o direito de estar em pleno.

Façam o favor de não continuar a decidir por nós, mas a decidir connosco. Porque ninguém conhece melhor o território do que aqueles que o habitam.

(Maria Faia foi uma canção recolhida na aldeia de Malpica do Tejo e popularizada por Zeca Afonso)

 

 

19
Fev18

Da galinha nasce uma canja, mas da canja não renasce a galinha.


Paula Custódio Reis

 

ovo de ouro.png

arame farpado.jpgpoluição.jpg

 

Fui criada num tempo, em que as histórias contadas pelos mais velhos eram uma forma de nos manter entretidos e, ao mesmo tempo, passar conhecimento moral.

Uma delas, contava a mais que famosa história de um casal que, não contente com a entrega diária de um ovo de ouro, matou a galinha, com a ambição desmedida de ter mais em menos tempo.

Há cerca de duas décadas atrás, ouvindo um experiente interventor da dinamização turística nacional, gravei uma frase na memória: «Não queiram vender o peixe que não têm na canasta». Imediatamente liguei esta expressão à história da malfadada galinha, que morreu cedo demais.

Às vezes, as condicionantes de um sucesso futuro são tantas, que alguma pode ser incidentalmente descurada.

Às vezes, subestimamos aquilo que pode ser uma condicionante do sucesso, por não conseguirmos ver o seu alcance na prática.

Às vezes sobrevalorizamos o nosso papel de controlador ou decisor de um processo, não tendo, na prática, essa tão grande capacidade de controlo.

Às vezes tomamos como pormenores, aspetos que são pormaiores.

Às vezes deixamo-nos embalar no doce canto das sereias que, ao longe, nos dizem que o caminho mais fácil é o melhor caminho.

Este fim-de-semana, de visita ao litoral próximo da Capital, dei-me conta, mais uma vez, da expansão voraz da malha urbana, naqueles sítios.

A juntar a isso, os atropelos vindos das décadas em que tudo era possível e permitido, derivando num arranjo costeiro desorganizado, demasiado lotado, feio à vista, inimigo do ambiente e da paciência dos visitantes.

O setor da hotelaria reclama da não existência de mão-de-obra (qualificada ou não) mas, ao mesmo tempo, vende o que não tem, quer seja em qualidade do que serve, quer seja no atendimento com que nos serve.

E a política de preços? Os mesmos que praticam desde que alcançaram o patamar da fama.

Hoje em dia é difícil reverter muitos dos abusos consentidos em décadas anteriores, mas não será admissível cair nos mesmos erros.

Por isso, tenho esperança que o abandono de décadas, que manteve intactas muitas riquezas, no interior de Portugal, possa vir a constituir-se uma mais valia na exploração de produtos autóctones, na intervenção turística, na divulgação histórica.

Mas, para isso, é preciso que os decisores respeitem o território e o conheçam.

É preciso que o território saiba respeitar-se e defender-se a si próprio, não consentindo nas opiniões de quem manda, só porque manda. A autoridade dá-se a alguém porque tem conhecimento e respeito, não porque toma as decisões fáceis de empurrar o lixo para o quintal dos outros.

O interior não pode ser a divisão dos arrumos do País, onde tudo cabe, porque afinal ninguém lá dorme e faz muita falta esconder o que está a mais.Não nos podem prender a um futuro, ligado a estruturas que ninguém quer por perto. Não queremos mais do mesmo. Não vamos continuar a ser invisíveis e mudos.

 

Acho que esta falta de visão e perspetiva se resolveria, se se aplicasse uma regra que preconizo para quem faz o projeto de um edifício: o responsável de um projeto deveria ser obrigado a morar/trabalhar no edifício em questão, durante o primeiro ano, após a sua construção.

Saibamos construir em conjunto e para o conjunto, não esquecendo nunca, que somos uma parte dele.

19
Out17

Medo do Inverno


Paula Custódio Reis

casa ardida.jpg

 

Tenho medo do Inverno que se aproxima.

Medo do que o Inverno vai trazer, para estes sítios. Medo da solidão que vai ser mais pesada, da fome envergonhada que vai aparecer, do frio que se vai sentir mais.

Contam-me da falta de assistência aos que ficaram sem casa, sem horta, sem apoio familiar.

«O que é que eu fico aqui a fazer? Vou para Lisboa pra perto dos filhos…».

A seguir às árvores, vão ser os humanos a desenraizar-se. E os que ficam, a ficar mais sós.

O trabalho duro, que dá sentido aos dias de Inverno, como a apanha da azeitona e as podas, não vai existir. E todo o ser vivo que não mexe, perde vitalidade.

A solidão, a tristeza e o medo vão ter uma sombra maior.

Quem conhece estas vivências, sabe e conhece estas sombras. Será que os que vivem e trabalham nas praças ensolaradas dos grandes meios serão capazes de as compreender?

Será que vão ser capazes de decidir para poder ajudar?

«É preciso sair da ilha para melhor poder ver a ilha». Sim, mas sair implica SEMPRE ter estado lá…

 

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