Lá na minha terra, há bons cantadores.
Paula Custódio Reis
https://www.youtube.com/watch?v=eV_ncgCBhPA
«Muito boa noite senhoras, senhores, lá na minha terra há bons cantadores...»
O meu pai gostava muito de cantar. E falava no nome do seu professor, Arlindo de Carvalho, com orgulho e saudade.
Sem querer, aprendi letras de muitas músicas, cantadas em festas, nas esplanadas de cafés, em qualquer sítio onde se juntassem dois ou três amigos. Nesses tempos, para além da brincadeira, os pequenos entretinham-se a ouvir os adultos. Até porque íamos com eles para todo lado. Foi assim que soube que, mesmo no meio de um cenário de guerra, em Angola, o meu pai, deitado na cama, chamava muitas vezes a saudade dos outros, com as cantigas do seu cantinho.
Aconteceu-me tantas vezes trautear as mesmas canções...
Havia até um verso de que lembrava muitas vezes: «Adeus lindo Louriçal/ duas coisas te dão graça/é o relógio da torre/ e a austrália da Praça».
Esta austrália era uma árvore de grande porte, cujo corte deixou muita gente triste, lá pela aldeia. Afinal, a praça, era ponto de passagem, de encontro e de festejo e uma árvore grande, é sempre um cenário agradável e uma sombra fresca.
Em 2007, tive o orgulho de repôr uma austrália, no mesmo sítio. Mandei fazer uma placa singela, com o verso que lhe dizia respeito, e pendurá-lo para que todos pudessemos partilhar essa memória.
Passados uns meses, vi alguém encaminhar o professor Arlindo de Carvalho para a Praça, e assisti orgulhosa, ao sorriso que lhe assomou ao rosto.
Hoje assisti a um concerto/homenagem ao professor que faria 88 anos. E venho de coração cheio.
Porque a alma da beira, das suas gentes, das suas paisagens, transbordam das músicas que ouvi.
E por isso são músicas de todos. São parte de nós. Das nossas memórias, do nosso presente e do futuro de todos.
Percebo o orgulho que o impelia a compor. Sinto-me grata por todos aqueles que ele conseguiu tocar, em vida. Sei que muitos perpetuarão o seu legado.
Pela minha parte, tenciono continuar a cantar as suas canções. Sem mágoa, só com o peito cheio de orgulho. Porque esse foi o legado mais importante que ele passou. E porque sei que quem parte, deixa uma parte da sua existência na memória dos que ficam, sei que a partida é só aparente.
Bem haja Arlindo de Carvalho.