Das tradições (e das pessoas) que sobram
Paula Custódio Reis
Hoje, um dia após o Domingo de Páscoa, começam as romarias. Aqui perto, os romeiros prestam a sua homenagem e dirigem as suas orações e pedidos à Sra. do Incenso, à Sra. das Neves, à Santa Catarina, à Sra. da Serra.
Terminado o luto da quaresma, o coração, os olhos e os passos, noteiam-se para dar graças às Padroeiras e às guardiãs dos Montes, Ermidas e Templos.
Para mim, isto siginifica dar graças à Natureza, que nos traz a Primavera portadora de melhor tempo e melhor alimento.
Estes cultos são tempos de dar graças, com alegria redobrada e a sensação de liberdade, que o bom tempo proporciona.
Prestei particular atenção estes dias, a uma reportagem sobre as tradições da Quaresma, no Interior, em Portugal.
No Paúl, vila serrana castigada pelo desemprego, um jovem estudante falava do gosto que tem em ajudar a cumprir as tradições locais, e da sua vontade de encontrar trabalho perto, para poder continuar a usufruir das vivências destes sítios.
Numa aldeia do Concelho de Vinhais, uma rosada e bem disposta aldeã, falava da importância de perpetuar tradições: «se a gente não continuar o que os antigos faziam, os novos depois já não há-dem saber o que os antigos sabiam».
Eu, que sou uma curiosa assumida pelos saberes dos antigos, fiquei encantada.
E dei por mim a recordar uma conversa, de há uns cinco anos atrás.
Falava com alguém que, já reformado, se sentia de bem com a vida, por ter voltado à cidade natal e estar a dar o seu contributo social, através da gestão de uma entidade dedicada à solidariedade.
A sua vida tinha-se desdobrado em deslocações e estadas na Capital, porque a profissão assim o obrigava, com a família a manter residência em Castelo Branco.
Tentava mostrar-me que as deslocações eram fáceis, e que este não era um modo de vida a pôr de lado.
Tentei explicar que esse modo de vida, não é o que eu, e muitos da minha geração escolhemos, quando viémos fixar as nossas vidas, no Interior de Portugal.
Nós queremos, efetivamente, que a nossa vida se desenrole aqui. Queremos tempo de qualidade. Queremos ver crescer os filhos. Queremos cumprir as tradições. Queremos criar novos usos. Queremos ter a profissão com que sonhámos, mas queremos tê-la aqui. Queremos uma residência em permanência, e não só em poucas horas de lazer.
Logo, é preciso trabalhar para que esta realidade se concretize. As novas tecnologias, a descentralização e desconcentração do Estado, serão, concerteza, um forte aliado neste processo de concretização. E este tem que ser o azimute da invervenção de quem decide sobre os nossos destinos.
O que sobra do litoral, não nos serve. As especificidades dos novos usos, não chegam. O que nos falta é gente. Gente a tempo inteiro e de pleno direito.
Não queremos continuar a ser os que sobraram. Queremos assumir de pleno direito que somos os que cá estão. E são os que cá estão que têm que ter o direito de estar em pleno.
Façam o favor de não continuar a decidir por nós, mas a decidir connosco. Porque ninguém conhece melhor o território do que aqueles que o habitam.
(Maria Faia foi uma canção recolhida na aldeia de Malpica do Tejo e popularizada por Zeca Afonso)