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Noites de Verão

Noites de Verão

27
Abr18

Lá na minha terra, há bons cantadores.


Paula Custódio Reis

https://www.youtube.com/watch?v=eV_ncgCBhPA

arlindo-de-carvalho-compositor.jpg

 

 

«Muito boa noite senhoras, senhores, lá na minha terra há bons cantadores...»

 

O meu pai gostava muito de cantar. E falava no nome do seu professor, Arlindo de Carvalho, com orgulho e saudade.

Sem querer, aprendi letras de muitas músicas, cantadas em festas, nas esplanadas de cafés, em qualquer sítio onde se juntassem dois ou três amigos. Nesses tempos, para além da brincadeira, os pequenos entretinham-se a ouvir os adultos. Até porque íamos com eles para todo lado. Foi assim que soube que, mesmo no meio de um cenário de guerra, em Angola, o meu pai, deitado na cama, chamava muitas vezes a saudade dos outros, com as cantigas do seu cantinho. 

Aconteceu-me tantas vezes trautear as mesmas canções...

Havia até um verso de que lembrava muitas vezes: «Adeus lindo Louriçal/ duas coisas te dão graça/é o relógio da torre/ e a austrália da Praça».

Esta austrália era uma árvore de grande porte, cujo corte deixou muita gente triste, lá pela aldeia. Afinal, a praça, era ponto de passagem, de encontro e de festejo e uma árvore grande, é sempre um cenário agradável e uma sombra fresca.

Em 2007, tive o orgulho de repôr uma austrália, no mesmo sítio. Mandei fazer uma placa singela, com o verso que lhe dizia respeito, e pendurá-lo para que todos pudessemos partilhar essa memória.

Passados uns meses, vi alguém encaminhar o professor Arlindo de Carvalho para a Praça, e assisti orgulhosa, ao sorriso que lhe assomou ao rosto.

Hoje assisti a um concerto/homenagem ao professor que faria 88 anos. E venho de coração cheio.

Porque a alma da beira, das suas gentes, das suas paisagens, transbordam das músicas que ouvi.

E por isso são músicas de todos. São parte de nós. Das nossas memórias, do nosso presente e do futuro de todos.

Percebo o orgulho que o impelia a compor. Sinto-me grata por todos aqueles que ele conseguiu tocar, em vida. Sei que muitos perpetuarão o seu legado.

Pela minha parte, tenciono continuar a cantar as suas canções. Sem mágoa, só com o peito cheio de orgulho. Porque esse foi o legado mais importante que ele passou. E porque sei que quem parte, deixa uma parte da sua existência na memória dos que ficam, sei que a partida é só aparente.

Bem haja Arlindo de Carvalho. 

 

 

02
Abr18

Das tradições (e das pessoas) que sobram


Paula Custódio Reis

     senhora das neves.png

 

Hoje, um dia após o Domingo de Páscoa, começam as romarias. Aqui perto, os romeiros prestam a sua homenagem e dirigem as suas orações e pedidos à Sra. do Incenso, à Sra. das Neves, à Santa Catarina, à Sra. da Serra.

Terminado o luto da quaresma, o coração, os olhos e os passos, noteiam-se para dar graças às Padroeiras e às guardiãs dos Montes, Ermidas e Templos.

Para mim, isto siginifica dar graças à Natureza, que nos traz a Primavera portadora de melhor tempo e melhor alimento.

Estes cultos são tempos de dar graças, com alegria redobrada e a sensação de liberdade, que o bom tempo proporciona.

Prestei particular atenção estes dias, a uma reportagem sobre as tradições da Quaresma, no Interior, em Portugal.

No Paúl, vila serrana castigada pelo desemprego, um jovem estudante falava do gosto que tem em ajudar a cumprir as tradições locais, e da sua vontade de encontrar trabalho perto, para poder continuar a usufruir das vivências destes sítios.

Numa aldeia do Concelho de Vinhais, uma rosada e bem disposta aldeã, falava da importância de perpetuar tradições: «se a gente não continuar o que os antigos faziam, os novos depois já não há-dem saber o que os antigos sabiam».

Eu, que sou uma curiosa assumida pelos saberes dos antigos, fiquei encantada.

E dei por mim a recordar uma conversa, de há uns cinco anos atrás.

Falava com alguém que, já reformado, se sentia de bem com a vida, por ter voltado à cidade natal e estar a dar o seu contributo social, através da gestão de uma entidade dedicada à solidariedade.

A sua vida tinha-se desdobrado em deslocações e estadas na Capital, porque a profissão assim o obrigava, com a família a manter residência em Castelo Branco.

Tentava mostrar-me que as deslocações eram fáceis, e que este não era um modo de vida a pôr de lado.

Tentei explicar que esse modo de vida, não é o que eu, e muitos da minha geração escolhemos, quando viémos fixar as nossas vidas, no Interior de Portugal.

Nós queremos, efetivamente, que a nossa vida se desenrole aqui. Queremos tempo de qualidade. Queremos ver crescer os filhos. Queremos cumprir as tradições. Queremos criar novos usos. Queremos ter a profissão com que sonhámos, mas queremos tê-la aqui. Queremos uma residência em permanência, e não só em poucas horas de lazer.

Logo, é preciso trabalhar para que esta realidade se concretize. As novas tecnologias, a descentralização e desconcentração do Estado, serão, concerteza, um forte aliado neste processo de concretização. E este tem que ser o azimute da invervenção de quem decide sobre os nossos destinos.

O que sobra do litoral, não nos serve. As especificidades dos novos usos, não chegam. O que nos falta é gente. Gente a tempo inteiro e de pleno direito.

Não queremos continuar a ser os que sobraram. Queremos assumir de pleno direito que somos os que cá estão. E são os que cá estão que têm que ter o direito de estar em pleno.

Façam o favor de não continuar a decidir por nós, mas a decidir connosco. Porque ninguém conhece melhor o território do que aqueles que o habitam.

(Maria Faia foi uma canção recolhida na aldeia de Malpica do Tejo e popularizada por Zeca Afonso)

 

 

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