Memórias da Água
Paula Custódio Reis
A água, por aqui, sempre foi abundante. Mas foi preciso ir buscá-la ao interior da terra.
Os antigos sabiam que ela lá estava. Diziam que corre um braço de Mar pela Gardunha. E sabiam ser essa uma das grandes riquezas desta Serra. Por causa disso, abriram minas e poços e construíram levadas. Tornaram a terra fértil e criaram um labor, o de moleiro, que deu trabalho a muitas famílias.
E até havia uma classe especial de homens, com uma sensibilidade especial, que, armados com um pau de marmeleiro, encaixado nos braços, descobriam com fiabilidade onde havia água em abundância. A estes homens chamou-se vedores.
O meu bisavô aliava a essa sensibilidade o saber da arte de pedreiro. Não sei se herdou ambos dos seus antepassados, que vieram de longe. O nome Braga, já bastante comum por aqui, começou por ser alcunha dado a um mestre de cantaria, trazido dessa cidade, para trabalhar na construção do colégio de S. Fiel.
Do que sei, a maior parte dos seus filhos e muitos netos, aprenderam a trabalhar a pedra.
E ficaram por cá. Um deles, o meu avô, faria hoje anos. E sei que ficaria muito contente com o som desta manhã de inverno: enchadas, serras, motosserras, vozes, pássaros e abelhas. A vida, depois deste duro e longo verão, está de volta. E a herança destes homens rijos, desta e de muitas outras famílias, trabalhadores e com respeito pela natureza, continua cá.